
Golpe na memória

*Por Rogério Newton
Hoje é o último dia do Encontro de História, no campus Prof. Possidônio Queiroz (UESPI), em Oeiras. Não podemos deixar de louvar a iniciativa e esperar que resulte em boas consequências para uma área de conhecimento tão instigante e inexplorada e ao mesmo tempo cheia de ciladas. “A história é uma coisa que não aconteceu contada por alguém que não estava lá”, teria dito Machado de Assis, o Bruxo do Cosme Velho.
Lendo a notícia e as fotos do auditório repleto de jovens, acendeu em mim a esperança de que o Encontro possa servir de alerta e estímulo para o surgimento de uma nova geração de pesquisadores históricos em Oeiras, que não caia na armadilha e no equívoco, tantas vezes consumados, de repetir, sem reflexão e análise, afirmações bastante questionáveis sobre nossa história.
A versão predominante da história de Oeiras evita, propositadamente, as tensões existentes dentro da sociedade desde os seus primórdios. Tal como nos é transmitida, salvas as raras exceções, parece uma historinha cor-de-rosa de brejeiros crentes e bravos, sob a bênção da padroeira. Evita o fato histórico do extermínio da nação Gueguê, que habitava o vale do Rio Canindé. Não enfrenta a escravidão, ou as escravidões, negra e vermelha. Apresenta como natural a supremacia do homem branco, proprietário e sempre no comando. Considera que a sociedade que se forjou desde os tempos coloniais - a ferro e fogo - é o melhor dos mundos possíveis. Foge das relações e dos contextos e se compraz na glorificação acrítica de datas e de vultos históricos, apresentados como heróis exemplares a serem venerados e seguidos, sem questionamentos.
Ao fazer ligações com o presente, a versão histórica hegemônica é bastante condescendente com as exclusões sociais e as crueldades praticadas contra seres humanos. Considera isso também bastante natural no melhor dos mundos possíveis.
Que a nova geração de pesquisadores não deixe de compreender que não é mais possível repetir essa história tantas vezes mal contada. Esse, o principal desafio.
A nova geração de pesquisadores, certamente, poderá tomar como necessária a criação do Arquivo Público de Oeiras, para guardar documentos microfilmados da nossa história, que ficarão a disposição de pesquisadores daqui e de todos os lugares do País.
Olhando as imagens do auditório onde acontece o Encontro, notei que não há alí o nome e a fotografia do Pe. David Ângelo Leal, suprimidos na reforma que o descaracterizou. Para quem não sabe, o reverendo e professor está indissoluvelmente ligado à existência daquela escola. E naquele auditório ocorreram muitos eventos importantes para a sociedade civil, além de apresentações de peças de teatro e de outras manifestações artísticas, igualmente relevantes para a vitalidade comunitária.
Talvez seja bom relembrar um pouco a história do prédio em que a UESPI figura apenas no último capítulo, o mais recente. Criado em 1958, o Ginásio Municipal Oeirense nasceu num período especial para o Brasil, que foi o final da década de 50 e o início da década de 60, encerrado dramaticamente com o Golpe de 1º de Abril de 1964. O Ginásio foi extinto em 1969, também de forma dramática. Por muitos anos, funcionou no mesmo prédio a Escola Normal. E o velho auditório continuou acolhendo estudantes, professores e cidadãos, como faz até hoje, só que a “modernização” destruiu sua concepção original, desferindo um golpe na memória, levando de roldão a fotografia e o nome do Pe. David, que nunca deveriam ter sido retirados nem esquecidos.