
Maria de cota e a caridade despretensiosa
Foi por volta das duas da tarde da terça-feira de carnaval que recebi a notícia que “a indesejada das gentes”, como disse Manuel Bandeira a respeito da morte, havia batido á porta de dona Maria de Cota. Na verdade isso para dona Maria era fichinha, pois cansou de dizer que já havia confeccionado a mortalha em cor roxa como a roupa de Nossa Senhora das Dores.
Ao receber a notícia, analisei comigo mesmo, a data curiosa da viagem daquela figura emblemática, singela e paradoxalmente frágil e forte.
A terça-feira de carnaval é a despedida da festa de momo e no dia seguinte a chegada da quaresma. Na quaresma dona Maria vestia roxo, participava ativamente das vias sacras, ás quartas e sexta- feiras, fazia jejum e caridade. Aliás, caridade era uma prática em sua humilde vida. Principalmente ajudando os presidiários, na penitenciaria da cidade, que recebeu seu nome em reconhecimento a seu trabalho voluntário.
Dona Maria fazia caridade todos os dias, sem usar nenhum veículo comunicacional, nem marketing, nem promoção pessoal. Fazer caridade era dividir mesmo o que tinha em casa, pedir a quem passasse na rua ou aos vizinhos, ajudar quem precisava a qualquer custo.
Outro dia, li em algum lugar, alguém chamá-la de Madre Teresa de Calcutá, fazendo uma comparação com a missionária católica albanesa, nascida na República da Macedônia e naturalizada indiana, hoje beatificada pela Igreja Católica. Nem gostei da comparação, pois na verdade, acho que dona Maria tinha um jeito Maria de Cota mesmo de fazer sua caridade, um jeito sutil e ao mesmo tempo humano. Não havia por trás da sua prática nenhuma intenção de santidade, mas sim, de exemplo de humanidade raro aos olhos de quem vive no mundo de hoje.
Sua forma silenciosa de ajudar o próximo nos tornava ainda menores, pois seu exemplo nos alertava o quão fácil é ser caridoso quando se decide ser. Quando se permite estender a mão com que se pode ajudar.
Para quem não a conheceu, era uma bonequinha, baixinha, de voz rouca, sorridente, mas ás vezes muito zangada. Não escondia insatisfação, não calava quando descontente. Dona Maria falava pelos cotovelos, mas se fazia entender, mesmo com sua linguagem simples, mas carregada de sabedoria popular.
Singela foi sua partida, no início da quaresma, período de reflexão e reclusão. Talvez tenha partido nesse dia, para que pudéssemos lembrar que o maior sentido da nossa vida cristã é a caridade, a ajuda aos que precisam, para que pudéssemos pelo menos pensar em decidir, pensar em se permitir a dar a nossa cota de caridade, de solidariedade verdadeira e despretensiosa, nesse mundo pessimista e egoísta.
Dona Maria de Cota nos provou que é possível sermos verdadeiramente humanos.