
Nas mãos da madrugada

Por Rogério Newton
A noite do feriado, com violão e boa companhia, mostrou que o Morro da Cruz é um dos lugares mais agradáveis de Oeiras. De lá, pode-se contemplar a cidade e sentir a brisa refrescante, a todo momento. Agora que o bar está funcionando, grande é o número de pessoas que o procuram, em busca de prazer e diversão. Aà convivem, ao mesmo tempo, uma oportunidade e um perigo.
A oportunidade resulta do fato de que o Morro da Cruz é um lugar precioso, que proporciona expansões da mente, do corpo e do espÃrito. O perigo reside nas formas de usá-lo.
Antes do desmatamento, já existia uma área pavimentada, entre a cruz e o bar, com duas ou três árvores sobreviventes, gradil de proteção e bancos para os visitantes sentarem. Parece uma praça desnuda. A seu pé, jazem 14 hectares de terra arrasada.
À tardinha, havia muita gente bebendo e ouvindo música, nas mesas ou em grupos separados, pois o espaço é amplo e permite que cada um escolha o que achar melhor. Contei quatro carros com as tampas dos porta-malas levantadas, propagando o som: swingueira, hip-hop, sertaneja, balada, misturados em alto volume. Uma moça atirou uma garrafinha plástica vazia, mas sua força não permitiu que rolasse precipÃcio abaixo. Dois rapazes jogaram pedras, fazendo o objeto desaparecer entre as macambiras.
Fatos e coisas em geral admitem vários ângulos de visão, a depender do olhar do intérprete. Considero legÃtimo o anseio das pessoas por diversão. Porém, a coisa não é tão simples assim: a busca do prazer pode resultar (e frequentemente resulta) no seu oposto. Uma pessoa que tenha ido ao mirante à procura da paz e do silêncio do fim da tarde, certamente voltou frustrada com a barulheira. Outra que quisesse descansar o olhar fatigado, poderia ficar chocada com o lixo descartável. Um casal de namorados que desejasse conversar baixinho para alimentar o amor, teria que se comunicar aos gritos.
À noite recebi em minha casa esse grande ser humano que é o Vivaldo Simão. Logo depois chegaram as não menos preciosas ArtemÃsia, Vitória e Inayra, suas amigas do tempo de ginásio. Elas queriam subir o morro. Mas ficamos um tempão na porta de casa, tocando e cantando. Quando decidimos ir, passava de meia-noite. Ficamos num local sossegado e continuamos nossas cantigas. Lá embaixo, a cidade ardia em suas luzes. Acima de nós, o teto de estrelas. Entregamos nossa voz e nossos anseios nas mãos da madrugada.