
O tombamento de zé de helena
Sem querer referir-me a nada, nem a ninguém, nunca entendi por que nas homenagens prestadas a José Hipólito Marinho tenha sempre que ser dada publicidade a coisas irrelevantes, deixando-se de lado o extraordinário ser humano que ele é, com grandes serviços prestados à cidade que lhe serviu de berço e de onde, segundo me disse certa vez, só "...espera sete palmos de gleba/e dois braços de um lenho." Muitos não avaliam seu desvelo para com os mais necessitados. Seu carinho para com as crianças. Seu respeito para com os mais velhos. Finalmente, sua devoção por Nossa Senhora do Carmo, que chama, respeitosamente, de Virgem do Carmo.
Ademais é poeta ("Amei tudo que foi belo./Fui egoísta, sou inconstante./Daí a sina de lar destruído!") Conheci dona Helena, sua mãe. Tinha olhos esverdeados, tonalidade repassada para os de José. Nunca esqueço do dia em que ela faleceu, sobretudo pela cena que ficou gravada em minha mente. À saída do caixão de sua casinha da rua Nogueira Tapety, Zé, não suportando a forte dor que lhe impunha a vida, desmaia, só não caindo ao chão graças a mãos apoiadoras de vizinhos e amigos.
Morava ainda com dona Helena um seu tio de nome Procópio, que conheci já bem velhinho. Na Semana Santa constituía-se em braço forte na catedral nos preparativos para a grande festa, que iam da colocação da túnica roxa de Bom Jesus dos Passos, bem assim da peruca de cachos, à montagem dos enormes estandartes romanos. Dona Helena foi, por muitos anos, a encarregada de fazer a coroa de “espinhos” do crucificado para a tocante cerimônia do Descimento da Cruz. Usava uma plantinha de hastes que dão a impressão de espinhos. Fui, muitas vezes, pegá-la, levando com muito cuidado a preciosidade, disputadíssima ao final da Procissão do Enterro. O saudoso Luís Martins, um dos carregadores do esquife, sempre pegava. Já a incumbência de José era conduzir o pesado tamborete para a Maria Beú entoar o canto da Verônica, coisa que já não faz por lhe faltar forças, agora pelo peso formidável dos oitenta anos, como disse o Cônego Cardoso em carta a Possidônio, ao chegar à provecta idade.
Pois bem , voltando ao início. Gente, José Hipólito Marinho merece todos os louvores . Ele é um patrimônio vivo que, ao contrário do que muitos pensam, só orgulha Oeiras. Seria até de bom alvitre que alguma entidade cultural propusesse o reconhecimento dessa condição, patrimônio vivo, que já é disciplinada em legislação específica.
(*) Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras