
Os vÃcios de Elpidinho - I

* Por Gutemberg Rocha
Em fevereiro próximo passado vivi a felicidade de participar da comemoração dos “nove ponto zero” de uma respeitada personalidade da sociedade oeirense: Elpídio de Sá Cavalcante, de quem tenho orgulho de ser sobrinho. Longevo na vida e na profissão, ele iniciou as atividades no comércio como empregado do Sr. Mário Freitas, em meados do século passado, mas logo montou sua própria loja, o Ponto Certo, mistura de bar, mercearia e armarinho, demonstrando apurado tino comercial. Não teve a ambição de expandir seus negócios para outras regiões, mas tornou-se referência no comércio varejista e atacadista de Oeiras.
Natural de São Raimundo Nonato, Elpidinho chegou ainda jovem à Velha Capital, onde fincou raízes, constituiu família e integrou-se à realidade local a ponto de ser impossível discorrer sobre a história citadina sem citá-lo nominalmente. Os mais de trinta anos que nos separam não me permitem testemunhar sobre a sua juventude, mas valho-me de informações esparsas, colhidas na esteira do tempo, para registrar que, além de atuar em peças teatrais, ele notabilizou-se como locutor de programas musicais no serviço de alto-falante, moderno instrumento de comunicação da época.
No dizer de Ferrer Freitas, Elpidinho é uma “figura humana de escol”. Sem trocadilho, pois se há uma pessoa avessa aos vícios, especialmente no sentido de praticá-los, essa pessoa é Elpídio Cavalcante. Pelo seu ramo de negócio, sempre vendeu cigarro e bebida; no entanto, jamais os consumiu, o que certamente proporcionou-lhe vigor para atravessar os anos e chegar aos noventa com disposição, saúde e lucidez. Minto, porém, quando digo ser ele avesso aos vícios. Isso é verdade no que se refere a fumar, beber e jogar, mas outros vícios ele os tem, e se não fosse assim, não sei o que seria da sua vida. O trabalho é um deles.
Pela regra, vício é uma coisa nociva, condenável, mas, de acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, podemos entendê-lo como “costume persistente de fazer algo; mania”. Nesta acepção, Elpidinho é, sem dúvida, um viciado em trabalho. Desde a iniciação no comércio, sua trajetória de vida se confunde com a trajetória profissional. No começo, viajou muito, em condições adversas, para adquirir em outras paragens (especialmente no Recife) as mercadorias que atendessem às necessidades dos clientes. Com o tempo, as viagens foram rareando, o que não significa que o labor tenha diminuído. Quer na administração dos negócios, quer no atendimento ao freguês, ele jamais deixou de se manter ativo e atento, sempre com o apoio decisivo do cunhado João Mariano, conselheiro sensato e incondicional. Nas coisas do lar, nunca lhe faltou o suporte prático e afetivo da esposa Zélia, a companheira de todas as horas.
A loja, hoje, exibe ares de modernidade, tendo-se tornado um bem sortido Supermercado, cuja condução está a cargo dos seus filhos, com a colaboração de toda uma equipe de netos e antigos funcionários. Seu Elpídio poderia, então, dar-se ao luxo de vestir o pijama e ficar em casa, descansando o merecido descanso. Ele, porém, não larga o vício. Para encontrá-lo, é só ir ao Ponto Certo, pela manhã ou à tarde, de segunda a sábado, faça chuva ou faça sol, e lá estará ele, qual escoteiro, sempre alerta, alimentando a mente e a alma com os afazeres e o burburinho do dia a dia. Dia após dia.
* Gutemberg Rocha é do Instituto Histórico de Oeiras.