
Os vÃcios de Elpidinho - III

Por Gutemberg Rocha
Do Instituto Histórico de Oeiras
Reportei-me, em crônicas anteriores, a dois dos vícios do cidadão oeirense Elpídio de Sá Cavalcante, o Elpidinho. Vícios no bom sentido, já que ele é inimigo dos vícios, considerando-se o significado mais estrito da palavra. Só que eu não contei nenhuma novidade, pois é público e notório que ele é viciado em Trabalho e Bom Humor. Quem o conhece sabe dessas suas duas manias, e, como diz a canção, “mania é coisa que a gente tem e não sabe por quê”. Portanto, não adianta querer explicar ou entender. Nem precisa. O que talvez poucos saibam é que ele tem um terceiro vício, igualmente positivo, porém mais difícil ainda de ser entendido, neste nosso mundo materialista: a Poesia.
Sim, Elpidinho é viciado também em poesia. Não como produtor, mas como consumidor, mesmo. Seu negócio é ler, decorar e recitar. Sua preferência são os sonetos, a poesia romântica, os versos rimados e metrificados. Em noitadas líricas, quando está na companhia do filho Aécio – este um poeta nato – Elpidinho esquece o peso dos noventa anos e os dois varam a madrugada a declamar poesias, num duelo sem trégua. Não há vencido, só vencedores, cultivando juntos um vício saudável, verdadeiro remédio para os males da alma, da mente e, quiçá, do corpo.
Pai e filho esquecem as horas recitando poemas de autores consagrados, do quilate de Castro Alves, Olavo Bilac, Luis Lopes Sobrinho, Fernando Pessoa, Patativa do Assaré e tantos outros poetas da língua portuguesa. Mas o grande ídolo dos dois é um ilustre desconhecido do grande público. Alguém que não se encontra nos livros escolares nem nas antologias poéticas. Trata-se de Milton de Sá Cavalcante, falecido em 2006, e que, como o nome sugere, era irmão de Elpidinho. Segundo o poeta oeirense Rogério Newton, Milton elegeu o verso como sua Pasárgada, onde encontrou tudo o que procurava. Sua obra foi publicada no livro “Caminhos”, em 2001, por iniciativa dos familiares, como homenagem pela passagem dos seus oitenta anos de vida.
Ele dizia não ser poeta (“Não sou poeta... Não! Mil vezes não!”). Mas, ah! se todos os poetas tivessem a sua verve, a sua inspiração, o seu lirismo... Quando vejo o soneto “Poeta, não!”, de sua autoria, sempre me vem à cabeça a negativa dessa negação, e penso com meus botões: “Poeta, sim!” E sei que Elpidinho compartilha comigo desse pensamento. Os sonetos do irmão são lembrados e recitados nas líricas madrugadas, sob o céu estrelado ou ao luar do sertão.
Para orgulho do pai, o filho é herdeiro poético do tio, e os poemas de Aécio Nordman também são degustados nos íntimos saraus em que os dois se entregam de coração aberto à poesia, fazendo o vício vicejar ainda mais. Bendito vício! Esse, sim, quisera eu que se alastrasse pela humanidade inteira, seduzindo jovens, adultos, idosos e crianças.
Deus abençoe Elpidinho! Que ele se conserve no vício do verso e da rima, consumindo-os sem moderação; que ele se conserve nos vícios do trabalho e do bom humor; e, se outros vícios ele alimenta (por exemplo: ouvir antigas canções, com o radinho ao pé do ouvido), que sejam vícios assim, virtuosos. Pode, inclusive, se divertir com o iPod, iPhone ou similares. E que os vícios de Elpidinho sirvam de modelo para os seus e para o mundo.