
Reminiscências de minha vida

Eu fui menino muito irrequieto, com muita energia. Em minha casa não tinha espaço para mim. Vivi desde 08 anos no sítio e na roça. Não era brincando com baladeira nem com cavalo de pau, era trabalhando, carregando água e lenha. No tempo de moagem de cana, tocava os bois que rodeavam um engenho com 03 moendas de madeira, transformando a cana em garapa, começava às 4:00 horas da manhã. Carregava também lenha para a fornalha, que transformava a garapa em mel e este em rapadura. Levava do canavial, cana para ser moída e palha para alimentação dos bois e animais que faziam este serviço.
Nas sextas-feiras, trabalhávamos só até o meio dia. À tardinha, íamos levar a produção da semana para Amarante, em animais. De lá, descia em balsa para Teresina, onde ia ser vendida e consumida. Esta rotina era o ano inteiro. Quando terminava a moagem, começava a produção da roça: coco, milho, feijão, inhame, bananas de 03 espécies, laranjas, limão doce e buriti. Isso ocupava muitas pessoas, tudo era manual. Naquele tempo ainda não tinha caminhão. Eu me sentia muito bem e feliz, vivendo protegido pelas pessoas que trabalhavam lá, e ainda mais pela mãe Natureza que me ensinou não ter medo, adquirir anticorpos para as doenças de crianças e até adolescentes. Aprendi a trabalhar. Fui para a escola com 16 anos, já sabendo ler, escrever e a tabuada de multiplicar, ensinado por minhas irmãs que era o que elas sabiam.
Dados os exercícios que fiz nos trabalhos, tinha muita força, fui bom jogador de bola, vaqueiro, caçador e forrozeiro doentio.
Estudei apenas 02 anos no Grupo Escolar Regenerense e uns meses com o professor Salú. Ainda no grupo, um dia a professora passou um problema e meus colegas não acertaram. A professora como castigo botou um 0 (zero) no colarinho da camisa deles, exceto de um que trajava um paletó branco, estava todo bonitinho. Eu nunca tolerei injustiça, peguei um giz vermelho, esperei que ele saísse da escola e na calçada, peguei-o, dominei-o e fiz um 0 (zero) no paletó dele do tamanho das costas. Hoje, ele é vivo, doutor muito conceituado e muito meu amigo. No tempo, a professora e meus colegas acharam um absurdo, um desrespeito. Ele hoje com a formação que tem, conhece que fui justo.
Em outubro de 1939, houve um concurso para telegrafista. Minha professora era casada com um telegrafista e nas horas das folgas da escola, botou-me para aprender com seu marido. Apesar de telegrafia não ser fácil, aprendi todo serviço da repartição em 50 dias. Dona Ditosa, minha professora, convenceu-me, encorajou-me e eu me escrevi no concurso. Dos 89 candidatos, fiquei no 17° lugar. Em janeiro de 1940, fui nomeado como auxiliar de telegrafista para trabalhar em Amarante, peguei mais prática. Em 1942, antes de completar 19 anos, fui convocado para servir no Exército Brasileiro, como rádio-telegrafista, no tempo da guerra, onde trabalhei até 1945, quando terminou a batalha. Voltei para Amarante, demorei pouco, fui transferido para Floriano. Em 1947, fui para São João do Piauí e em 1952, para Oeiras, de onde fui transferido muitas vezes, para tirar férias dos colegas. Em uma dessas, encontrei com Jesuína, em Conceição do Canindé e casamos. Eu com trinta e dois anos e ela com dezessete.
Tenho gravado na memória uma fita da passagem da minha juventude, na roça, sítio, mata, grota, riachos, rios e lagoas.
A mata era sempre verde, alegre, florida sombria e cheirosa. Árvore de todas as espécies. Era uma farmácia, cada uma servia de remédio para diversas doenças. Uns animais selvagens perigosos, outros que serviam para o consumo humano, aves e pássaros, que faziam festas com seus lindos cantos versificados. Éramos regidos e orientados pelo sol com sua admirável pontualidade. A lua e até as estrelas serviam de relógios, a escuridão da noite e o vento frio serviam para o descanso. Tínhamos uma vida colorida e feliz, mas muito simples e comum que não dávamos valor, apenas admirávamos. Uns sinais que não são comuns como o arco--íris, planetas, cometas que enfeitavam e coloriam, embelezavam o firmamento, como mistério da natureza. Hoje, com o desenvolvimento violento e a corrida do mundo, tudo é realizado com máquina, computador, internet e outros. Aves, papagaios, outros, com cantos iguais aos verdadeiros, flores de todos os tipos, só não conseguem igualar o segredo da natureza, que é o perfume.
Já fizeram o clone de uma ovelha, robôs, proveta com mãe de aluguel, inseminações. Não fizeram o clone de pessoas humanas por protesto e respeito ao Vaticano. Estão com toda força para desacreditarem e desrespeitarem a natureza. E acabar com a beleza e os mistérios que encantavam, inspiravam os sonhos, dons e temas para os poetas e boêmios, recitarem e cantarem suas paixões nas noites enluaradas.
E hoje, com formação amadurecida, vejo passar o filme gravado da minha juventude. Sinto com muita tristeza, meu coração escondido dentro do meu peito, chorando entristecido, envergonhado e silencioso. Como protesto.