
Separação breve

(*)Ferrer Freitas
Faz hoje trinta dias do falecimento do caríssimo dr. Raimundo Barroso de Carvalho. Quando a “indesejada das gentes” levou dona Ana, esposa e companheira de todas horas, avaliei, torcendo para que não se concretizasse o que me viera à mente naquele hora tão triste para todos, que seu tempo deste lado, a partir dali, seria breve. A dor da separação seria de tal modo insuportável, associada à sua idade avançada, que não lhe permitiria viver por muito mais tempo. E foi, para tristeza de todos os seus amigos e parentes, o que veio a ocorrer, lamentavelmente.
Nunca esqueço das idas dos dois ao Rio, levados pelo meu velho, João Burane. A primeira adrede para tentar aliviar a dor pungente da dona Ana com o falecimento do pai, André Holanda, o tio André, como fomos, os de lá de casa, ensinados a assim chamá-lo. Nessa primeira viagem, meados dos anos sessenta, ficaram hospedados no Flórida Hotel, Flamengo, relativamente próximo aos prédios onde morávamos, eu e a caríssima Isabel, nossa prima. Na segunda viagem, também nos anos sessenta, levaram o filho Junior, com cinco anos incompletos.
Desnecessário dizer a alegria que sentia em poder ser-lhes útil. Lembro que numa das nossas andanças pela cidade maravilhosa, que, nesta data, comemora 448 anos de fundação, dr. Raimundo avisou-me que gostaria de presentear um amigo-fumante com o melhor isqueiro que existisse à venda. Cuidei tratar-se de seu irmão Antônio. Passando pelo Largo do Machado, levei-o a uma tabacaria ao lado do tradicional Lamas, restaurante cuja existência, acredito, já beire a mais de 130 anos. Pois lá comprou um Ronson (aportuguesando), mandou embrulhar para presente e, em seguida, colocou no bolso da minha camisa, dizendo: “o amigo é você!”.
Gentil , humano, de voz mansa, era assim o farmacêutico Raimundo Barroso de Carvalho, esposo de dona Ana Romana de Holanda Barroso, juntos há trinta dias, novamente, agora no andar de cima. Com certeza São Pedro não lhe exigiu um pedido de licença para entrar, como fez com a Irene de Bandeira. Aos filhos, Gemma à frente da prole, dedico esta crônica de profunda saudade dos dois.
(*) Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras