
Tempus Edax Rerum

* Por Ferrer Freitas
Quando eu era menino em Oeiras tinha todo tempo do mundo (parece até o bordão de Antônio Carlos, pai da atriz Glória Pires, falando de sua Barbacena em humorístico da TV, a escolinha do Professor Raimundo, Chico Anízio). Acordava cedo para acolitar em missas na catedral (o sacristão Manoel do Padre ia chamar-me era cedo), antes de seguir para o Armando Burlamaqui, onde fiz o primário, embora a distância da minha casa para o Costa Alvarenga fosse apenas a de uma praça, a da Bandeira. A escolha da escola do antigo largo da Conceição era para ser aluno da insigne mestra Eva das Neves Feitosa. Etapa seguinte, o antigo GMO, o maior colégio do mundo para muitos, até hoje, onde cursei o ginásio, após passar no que se chamava “exame de admissão”, uma espécie de vestibular. A tarde era para estudar, mas sobrava um tempinho para correr atrás de uma bola no antigo Largo da Matriz. Usava-se ainda, como quadra de esportes, o círculo cimentado do antigo parque das crianças.
Vida que segue, chega a adolescência para mim e muitos do meu tope e, como não poderia deixar de ser, um intenso exercício de presepadas . À noite, impreterivelmente, o programa era participar das rodas no Passeio Leônidas Mello, quando os guapos rapazes de topetes abrilhantinados (tenho a impressão que o de Nilo Albuquerque era o maior) jogavam conversa fora, sem perder de vista as moçoilas, de saias rodadas, rodando entre os canteiros, pedindo permissão aqui à poeta Cecília. Aí ocorria o flerte ou paquera, primeiro passo para a abordagem (dizia-se “encostar”), tudo com o aval da "trombonete", como se chamava a amiguinha que levava os recados. O casalzinho só não podia era subir para a balaustrada e ficar por trás do cine, tampouco descer para o antigo parque das crianças, isso, naturalmente, pra não sair do ângulo de visão de olhos vigilantes. Por falar no cine, como gostava Possidônio, que neste mês de setembro faz 70 anos de construído, a lamentar o fato de não se prestar, já há muitos anos, ao principal fim, a “sétima arte”. Vale lembrar ainda as retretas da banda Santa Cecília, também de 70 anos, às quintas e domingos, no coreto.
Naquele tempo , pra lembrar o título de belíssimo choro de Pixinguinha, em maio, junho e julho soprava um ventinho frio, vindo do Leme, conhecido como cruviana, que se acentuava na madrugada de tal modo que era comum usar-se um agasalho (alguns até paletó, como espécie de blazer), isso se estivesse programada uma serenata a partir de meia-noite, quando a luz elétrica se ia e a cidade ficava totalmente às escuras. Sem querer mais encompridar esta conversa de saudosista empedernido, tem esta crônica, como se vê, o sentido de relembrar hábitos da juventude de Oeiras dos anos 50/60, chamando a atenção para o uso no texto, várias vezes, do adjetivo “antigo” , o que justifica a frase em latim do título, extraída das Metamorfoses de Ovídio: “o tempo é devorador de tudo.” Em Oeiras, no entanto, não consegue, lamentavelmente, devorar certos vezos nefastos.
*Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras