
Mais de 60 mil eleitores do Piauà podem ter tÃtulo cancelado em maio; veja como regularizar
28/04/2025 - 08:43Em todo o paÃs, mais de 5,1 milhão de pessoas ainda precisam regularizar o documento.
Rogério Newton
Dezembro era, de longe, o melhor mês para mim. Começavam as férias. Abria-se, largo, o horizonte da vida. Os dedos do inverno surgiam entre as frestas do tempo. Meu aniversário, pouco antes do Natal, fazia sentir-me especial. Os dias vinham e iam, fluindo. No de Santa Luzia, enterrávamos sementes de arroz nas latinhas de manteiga. As hastes finas brotavam na areia úmida e enfeitavam o berço de Natal, como chamávamos o presépio. Na véspera, os meninos de minha rua Ãamos buscar andré-miúdo nas encostas dos morros, nos confins do Canela. Voltávamos sobraçando galhos e folhas daquela pequena árvore cheia de aromas. À tarde eu ajudava minha mãe na montagem do berço, que pontificava na casa até o Dia de Reis. A noite insinuava-se e ficava festiva, iluminada. Minha irmã mais velha punha canções na radiola. Na igreja havia missa. Ao contrário do meu pai, sempre atento à s metáforas, não me lembro de nenhuma palavra do padre.
Depois vinha a visitação dos berços. PercorrÃamos as ruas tortas e entrávamos nas casas onde havia presépio, feitos com pedras úmidas e areia fina dos morros. Alguns com criatividade e primor: patinhos no espelho do lago, céu brilhando, animais, pastores circundando o Menino, olhos cheios de ternura. Havia berços mal-feitos, nós mangávamos a valer. Meus amigos exultavam com os presépios grandes, eu também, mas me detinha com carinho especial diante dos mais humildes e ficava pensando longamente na maneira como os donos da casa o haviam criado. Numa casa perto do riacho, havia um berço famoso. SaÃamos de lá, arriscando olhar na direção da casa das mulheres noturnas.
Depois que meus pais partiram e tudo se modificou ou se perdeu, uma pequena caixa de papelão ficou comigo. Como uma arca, ainda guarda o tesouro: imagens, búzios, conchas, uns poucos grãos de areia e o indelével cheiro de andré-miúdo.
No Natal, o menino ressuscita dos escombros das eras e reinventa o berço. Do regaço da memória, retira a silenciosa presença da mãe, pedras, areia, aromas. Por teimosia, estratégia de sobrevivência ou humilde amor, reconstrói o pequeno reino encantado que nunca terá fim.