
O sereno Plácido e a flor lis

*Por Ferrer Freitas
Há coisa de um ano, ou um pouco mais, chegou-me, pelo telefonema de um amigo, a triste notícia do falecimento de José Plácido Ferreira Neto. Figura agradabilíssima, bem humorado, veio para Oeiras no final dos anos quarenta, de um interior próximo , morar, para estudar, com seu padrinho Arlindo Dias Carneiro. Faz o curso primário no Armando Burlamaqui e inicia o ginasial em 1952, na primeira turma do glorioso GMO. Em seguida vem para Teresina fazer o científico, logrando, mais tarde, aprovação para cursar a Escola de Sargento das Armas (ESA), de Três Corações (MG), com serventia posterior no Rio de Janeiro, onde, para alegria mútua, reencontramo-nos. Lá faz Odontologia e casa com Lisbela, piauiense de Jaicós, mudando-se para Brasília, ali morando por mais de quarenta anos, seguramente.
Algum tempo depois passou a conviver com uma cardiopatia, parece-me que de fator mais hereditário, tendo se submetido a intervenções providenciais para seu coração continuar batendo. Vinha, quase que anualmente, ao Piauí visitar os familiares e rever amigos, entre os quais me incluía. Mais de uma vez estive com ele e a Lis, como todos tratavam a Lisbela, para encontros em que ficávamos o tempo todo relembrando coisas e pessoas de Oeiras, para deleite mútuo. Lembro desses papos, um deles no restaurante Beliscão, lamentavelmente fechado. Quase sempre deixava escapar, ao final de uma estória contada e, por vezes, recontada: “esse camarada!” . Muitas, diga-se, do repertório do padrinho Arlindo, por quem tinha eterna gratidão de lhe ter permitido o estudo. Considerava ainda irmãos, seus filhos. Aí, chega a “indesejada das gentes”, da Consoada de Bandeira, e não sei se ele sorriu ou disse: “alô, iniludível!”
Pois bem. Casais existem como os cisnes, que não suportam o desaparecimento do parceiro. Foi o que ocorreu com Lisbela. Com o falecimento de Plácido, ela tomou-se de uma tristeza profunda que a consumiu a ponto de chegar a uma paralisação física que a levou, inevitavelmente, ao óbito, segundo revelou-me o primo Naziazeno, de Goiânia. No soneto “Os Cisnes”, o poeta Júlio Salusse (1872-1948), natural de Bom Jardim, Estado do Rio de Janeiro, mostra isso em versos primorosos, se bem que de uma nostalgia imensa , que me permito transcrever, como homenagem que presto a Plácido e Lis:
“A vida, manso lago azul algumas vezes,/ Algumas vezes mar fremente,/Tem sido para nós constantemente/Um lago azul sem ondas, sem espumas./Sobre ele, quando desfazendo as brumas matinais, rompe um sol vermelho e quente/Nós dois vagamos indolentemente,/Como dois cisnes de alvacentas plumas./Um dia um cisne morrerá, por certo:/Quando chegar esse momento incerto,/No lago, onde talvez a água se tisne,/Que o cisne vivo, cheio de saudade,/Nunca mais cante, nem sozinho nade,/Nem nade nunca ao lado de outro cisne!”
* Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras