
O joio e o trigo

Por Gutemberg Rocha (do Instituto Histórico de Oeiras)
As chamadas “manifestações de junho” podem ter causado a impressão de que o Brasil se divide basicamente em dois grupos de pessoas claramente distintos: de um lado, os políticos e empresários (o “joio”); do outro lado, os cidadãos comuns (o “trigo”), que finalmente decidiram se manifestar de modo contundente. No fio da navalha, viu-se a polícia tentando manter a ordem, nem sempre de forma satisfatória. Mas as coisas não são simples como podem aparentar. Entre os primeiros, nem tudo é joio; entre os manifestantes, nem tudo é trigo.
Quem disse que todos os políticos são ruins? Existem os bons, é claro, embora muitos destes não consigam sequer ser eleitos. Quem disse que todos os grandes empresários são egoístas e exploradores? Certamente há aqueles que são verdadeiramente justos e solidários. E os policiais, devem realmente ser crucificados? Entre eles há joio, sim, mas há também trigo, sendo este – quero crer – em maior proporção.
Da mesma forma, acredito que entre os manifestantes há sempre uma mistura de trigo e joio. Talvez sejamos levados a deduzir que o joio são os “vândalos”, mas também não é tão simples assim. No meio dos “baderneiros” com certeza há trigo. Como julgar? A condenação sumária pode ser injusta. E poderemos estar errados se acreditarmos que, excluídos os vândalos, todos os demais participantes do movimento são trigo. Como saber qual a verdadeira motivação ou intenção de cada manifestante? Como saber o que vai no coração, no pensamento e na consciência de cada um?
Será que entre aqueles que pedem o fim da corrupção não estão alguns que oferecem gorjeta ao guarda quando flagrados numa infração de trânsito? Será que entre os que exigem mais verba para a saúde não estão alguns que sonegam imposto de renda na declaração anual? Será que entre aqueles que acusam de traição os políticos que elegeu não estão alguns que traem a confiança da própria esposa? Será que entre aqueles que reivindicam educação de qualidade não estão alguns que copiaram da Internet seus trabalhos de conclusão de curso? Será que entre os que criticam a política econômica do governo não estão alguns que trocaram o voto por favores pessoais? Será que...? Será que...? Será que...?
Não significa dizer que o fato de ter cometido deslizes seja impedimento para cobrar ética e moralidade dos entes públicos e privados. Na situação em que vivemos, é imperioso externarmos a nossa insatisfação. Concomitantemente, porém, devemos refletir sobre nós mesmos, cada um fazendo o mea-culpa, reconhecendo os próprios erros e procurando corrigir-se, até para poder exigir dos outros com maior autoridade. Porque todos temos joio e trigo dentro de nós; o que não podemos é deixar que o joio prevaleça, ou estaremos contribuindo para a perpetuação de um Brasil que não queremos.