Um século de vida profícua
Bastante magro, muito alto, sempre trajando camisa de mangas compridas e chapéu de massa à cabeça, é essa a lembrança que guardo de Silvério Alves Ferreira, que faleceu em Oeiras faltando somente um semestre, um apenas, para chegar aos 100 anos. Amigo de seus filhos, sobretudo os do meu tope, para usar palavra tão a nosso gosto em Oeiras, acostumei-me com ele, desde minha infância, primeiro pela ligação com meu pai, que o iniciou na profissão de motorista, a dele, meu velho. Depois, como torcedor apaixonado de um time do qual foi presidente, isso no início dos anos cinqüenta, o Cruzeiro Sport Club. Nas partidas das domingueiras, quase sempre contra o rival Mafrense, ficávamos à margem do campo, isolados dos jogadores apenas por uma corda, torcendo desesperadamente. Estar próximo do dirigente maior do clube dava-me a impressão de que seríamos vencedores, o que nem sempre ocorria. E lá ficava ele, num pé e outro, esbravejando com más jogadas e quase sempre chutando o vento ou travando uma bola imaginária, o que também faço, ainda hoje, vendo futebol diante da televisão.
Na verdade, são muitas as nossas ligações. Uma então nunca esqueço, a da primeira comunhão minha e dos manos Toscano e Afonsina, na catedral, ter ocorrido na companhia de Cícero e Socorro (Doiô), filhos mais velhos dele e de dona Raquel, que também já se foi para o outro lado do grande mistério. Era baixinha, alegre e me cumulava de atenção e carinho, justo pela amizade com Cícero, que despertou em mim o interesse pela sétima arte, tornando-me um cinéfilo. Também não perdíamos , por nada, uma sessão no Cine Teatro! Outra lembrança indelével é a de termos residido, por algum tempo, na mesma rua, a Clodoaldo Freitas. Nossa casa, mais próxima da Nogueira Tapety. A deles mais abaixo, no trecho em que a via passa a ser conhecida como rua da Amargura, por conta do Passo assim chamado, ou ainda do Engano, próxima à que foi do meu avô Burane, antes de sua ida para o Rosário, esta, já há algum tempo em ruínas, lamentavelmente. Como dói vê-la desmoronando aos poucos, como ocorreu recentemente com a Pensão Portela.
Ultimamente, quando em Oeiras, sempre via o velho Silvério sentado à porta de sua residência de calçada alta, depois do sol baixar, com as pernas longas cruzadas, olhando a vida passar. Em encontros fortuitos aqui em Teresina com o filho Wilson, este sempre me colocava a par de como ele ia na sua já longa existência, que alternou momentos alegres e outros nem tanto, podendo figurar entre estes o que mais pode abater o ser humano, a perda de um filho. Imagine de dois, como ocorreu com Cícero e Francisco (Tatico)! Havia me comprometido homenageá-lo em crônica quando do transcurso de seu centenário. Faço-o agora, seis meses antes, tempo que nada representa perto de 100 anos. Pra mim, Silvério Alves Ferreira viveu um século de vida profícua!
* Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras